sábado, 27 de setembro de 2014

Viagem no tempo I

Janeiro era tempo de férias, viagens e promessas. Acordávamos ainda de madrugada, as malas já dormiam prontas e colocadas à porta aguardando mãos que as conduzissem à estação de Coqueiral. Entre o incômodo da sonolência e a alegria daquelas viagens lá íamos nós com destino a Belo Jardim, terra natal dos meus pais, lugar onde passei parte de minha infância. Éramos seis e a nós se juntavam, ainda e invariavelmente, as primas Jerusa, Jurema e Jaciara, filhas do tio Etelmino e tia Quitéria. Meus primos, filhos de Quitéria de tia Aninha, eram como irmãos, algo muito comum àquela época. Na estação ferroviária havia uma aglomeração à espera do “Trem da Serra”, comboio que se destinava a Salgueiro, alto sertão pernambucano.

As primeiras viagens se deram com a “Maria Fumaça”, queimando lenha e ziguezagueando pela linha férrea, mundo afora. Iniciava-se a viagem com um alvoroço de gente e bagagem à procura de suas poltronas. Lá vinha o fiscal com trajes em cáqui e quepe de aba preta, o alicate furador marcando os bilhetes. Papai e mamãe tratavam de nos acomodar da melhor maneira possível em meio àquela algazarra. Ninguém queria ficar distante das janelas só permitidas aos adultos ou jovens, às crianças se recomendavam as cadeiras dos corredores. Já às crianças de colo eram permitidas a visão das janelas, sem nada entenderem do que viam. Eu ficava de olhos grudados na paisagem que pareciam correr em sentido contrário. Passavam rápidas, eram sucedidas por outras e outras, outras mais.
Por nossas retinas passam o verde do aveloz compondo os cercados, delimitando propriedades, sombreando as estreitas estradas que levavam nosso olhar a algures e animais pastando, correndo pelos campos próximos e distantes, alheios a alegria que sentíamos naquela vivência. Havia, ainda, os túneis a serem vencidos pela locomotiva, era uma sensação de angústia ao penetrar aquela escuridão e alívio com os raios de luz no fim do túnel, literalmente. Ao contrário do que muitos pensam, chovia e aquele cheiro de terra molhada invadia os vagões onde se ouviam vozes desencontradas. A chegada noutra estação era anunciada pelo apito e o atrito do freio entre rodas e trilhos. Aí se dava a venda de tapiocas, mariolas, sequilhos, bolos de mandioca (o manuê), frutas da época, roletes-de-cana, cafezinhos... Dali a pouco a partida com outro apito da “Maria Fumaça”. E nós abstraídos com toda aquela beleza.

Um comentário :

  1. Oh lembranças boas das viagens para Belo Jardim com primos e primas...=)

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