sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Farinha de seu Paizinho

A bodega de Seu Paizinho rendeu muitas histórias. Umas ocorridas, outras inventadas e atribuídas ao proprietário. Seu Paizinho era homem desprendido de coisas materiais, sua bodega lhe servira como espaço de labuta, o lucro advindo da lida de bodegueiro era apenas um detalhe. Isso se é que aquela bodega lhe trouxe algum lucro, principalmente quando se tratava da venda em caderneta aos amigos, parentes e aderentes. A bodega e o bodegueiro exige um casamento perfeito, uma se assemelha ao outro. Eis aí a alma nordestina revestida de nuances culturais e belos contornos socioeconômicos de tempos não muito distantes.
Uma dessas histórias é contada por Vicente Simão, figura exponencial quando se trata da vida corriqueira, cotidiana esperancense. Conta ele que certa feita ali chega um cliente dos mais assíduos, puxa prosa, encosta-se ao balcão e, do jeito que comumente agia, leva alguns punhados de farinha à boca, se delicia. E haja prosa. Aquilo já se incorporara como um ritual nas visitas à bodega de Seu Paizinho e o cliente aqui anotado por Simão é Seu Titi, homem também de muita respeitabilidade naquela freguesia. E assim se sucediam aquelas visitas e as boas prosas.
Encostado ao balcão de Seu paizinho, mais uma vez, está o nosso personagem. Seu Titi puxa conversa e com esmero sacode punhados de farinhas acompanhados de uns “tacos” de carne de charque servidos pelo amigo Paizinho. A praxes entre bodegueiro e seus clientes era de bem servir e agradecer. Mas Seu Titi nenhum comentário havia feito com aqueles punhados e a iguaria servida. Na falta do comentário elogioso de sempre o Seu Paizinho estranha e indaga:
- Oxente, Titi, o que aconteceu! Não gostasse da charque?
- Verdade seja dita. A charque, como sempre, tava gostosa, mas essa farinha tá bem diferente. Tem umas bolas estranhas, Paizinho!
E Seu paizinho, lamentando, comenta:
- Ah, só pode ser isso...
- Isso o que, homem de Deus! O que tem a farinha? 
- Meu gato deu pra dormir em cima do saco: Pense!

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