Ao contrário do que muitos pensam, era – ou é – capaz de
gestos magnânimos como caminhar de Piedade até Recife, dia-após-dia, muitas das
vezes sem a refeição matinal, para marcar consultas na Fundação Altino Ventura ou
numa instituição filantrópica qualquer, conseguindo consultas, exames e/ou cirurgias
para outrem, numa atitude de extremo desprendimento. Testemunhei esse seu
périplo recifense em busca de socorro e cura abrigando-o por seis anos em minha
residência. O vinho e a música clássica davam o tom naquela vivência
compartilhada com livros. Havia dias (finais de mês) em que não dispunha de
vale transporte ou dinheiro para bancar suas viagens; a dispensa quase vazia
não nos permitia tomar um café da manhã, sequer. Só ao meio-dia matávamos a
fome nas marmitas encomendas e pagas com o líquido mensal. Caminhávamos a pé,
pela orla de Boa Viagem à Piedade, curtindo a maresia, o crepúsculo, o vinho e
o peixe adquiridos na quinzena primeira.
O uruguaio saiu da vida dos amigos da mesma
forma que entrou, buscando a transformação do mundo, junto a alguém que não só
compartilhasse das ideias, mas as levasse ao “pé da letra”. Em 1996 rumou com
destino aos conflitos de terra, no Estado do Pará. Até hoje não se tem notícias.
domingo, 4 de janeiro de 2015
Um ser de Tacuarembó
Deito à rede, nesta tarde de domingo, fico a ruminar minhas memórias. O
pensamento viaja no tempo, aos coqueirais de Tamandaré, onde encontramos, a
esmo, um cidadão do mundo, um ser de Tacuarembó:
Luiz Alberto Rodrigues, uruguaio, profissional do jornalismo e adepto
das teorias marxistas, uma dessas raridades que a natureza produz e perde a
fórmula. Habitava debaixo dos coqueirais, com muda de roupa enrolada em sacola
plástica, levando vida pra lá de simplória e uma dignidade aristotélica da “Ética
a Nicômaco”. Raríssimos exemplares há por este mundão afora com o caráter do
amigo Luiz Alberto Rodrigues que só punha fé na luta armada para a
transformação social do Terceiro Mundo tão explorado e vilipendiado pelas potências
econômicas mundiais. Esse uruguaio vivia a revolução cotidianamente. Leitor
voraz de tudo que alcançasse impresso, conhecedor de literatura universal e
com conhecimento acurado no que tange à música erudita.
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Muito bom!
ResponderExcluirMuito bom é pouco. Conheci o Luiz quando, concluído o curso de jornalismo, fui tirar férias de outro, Roberto Numeriano, no Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco, em companhia de Carlos Almeida. Luiz Alberto acabou vindo por aqui. Semana lá em casa, semana lá no Casarão Silvestre Batista... Alagoa Nova com Jayme Pedão, numa revolução a dois, a quatro... no limite do fazer o bem sem olhar a quem. Por onde andará? Ninguém sabe do seu paradeiro, ninguém sabe onde foi Pará?
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