Há uma personagem em nossas vidas da qual não se deve nem se pode
esquecer. Este é bem o caso de dona Judi de Lourdes. Santificou-se em vida
comendo feijão, farinha e mistura. Minha sogra era de uma pureza e, na mesma
medida, de uma sagacidade incríveis. Não tinha muito a noção dos valores da
moeda corrente. Conhecia o valor estampado em cédulas ou cunhado em pratas, mas
desconhecia o poder de compra de cada uma. Um colchão repleto de cédulas, sem nenhum,
valor fora encontrado após sua partida. Um defunto – conhecido ou não – não ficava
sem a sua visita, velório era quase obrigação. Missa, aos domingos, perdia não.
Era zelosa em tudo que fazia ou cuidava.
Às vezes comento com os mais próximos sobre essa figura tão representativa
na família, mas quase sem eco em conversas na roda familiar. Aí, certamente,
está a grande virtude de dona Judi. Era toda simplicidade, sutileza:
contemplativa. Taí um termo que bem traduz seu modo de ser. Não ecoa nas
conversas não porque não a lembremos, mas porque seu brilho estava além daqui e
de agora. Minha sogra conversava com anjos e santos, antecipando eventos familiares.
Seus sonhos nos davam medo quando repassados. Era tiro-e-queda, como se dizia
em tempos de outrora.
Era dia do seu aniversário. Estávamos em Brasília, Silvestre se
encontrara em Esperança, à época. Festa preparada, convidados à mesa, disquei o
número telefônico de sua residência paraibana, como combinado. Ao ouvir a voz de
Silvestre anunciei que a aniversariante falaria em instantes. Passei o aparelho
para dona Judi e se deu toda a normal conversação. Na verdade aquela conversa
nada havia de normal. Disse antes que era dia do seu aniversário e que
Silvestre se encontrara em terras esperancenses. Claro que se aguardava um papo recheado de saudade, “parabéns
pra você...”, essas coisas tão triviais nas tais comemorações. Não fora isso
que ouvi:
- Alô! É Silvestre?
- Sim, é Silvestre, Judi!
Essa é a resposta que se supõe de quem estava do outro lado da linha. Então
veio a pérola que nos fez desabar em risos:
- É Silvestre? Boa noite, aqui é Judi quem fala.
Ô Silvestre, você sabe me dizer qual o preço da banana? E o botijão de gás, por
quanto está?!
É tamanha honra para qualquer pessoa passar pelas mãos detalhistas deste grande pensador e ser registradas de uma forma tão carinhosa. Lembrar é viver! Sempre...
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