domingo, 8 de fevereiro de 2015

Qual é o preço da banana, Silvestre?

Há uma personagem em nossas vidas da qual não se deve nem se pode esquecer. Este é bem o caso de dona Judi de Lourdes. Santificou-se em vida comendo feijão, farinha e mistura. Minha sogra era de uma pureza e, na mesma medida, de uma sagacidade incríveis. Não tinha muito a noção dos valores da moeda corrente. Conhecia o valor estampado em cédulas ou cunhado em pratas, mas desconhecia o poder de compra de cada uma. Um colchão repleto de cédulas, sem nenhum, valor fora encontrado após sua partida. Um defunto – conhecido ou não – não ficava sem a sua visita, velório era quase obrigação. Missa, aos domingos, perdia não. Era zelosa em tudo que fazia ou cuidava.
Às vezes comento com os mais próximos sobre essa figura tão representativa na família, mas quase sem eco em conversas na roda familiar. Aí, certamente, está a grande virtude de dona Judi. Era toda simplicidade, sutileza: contemplativa. Taí um termo que bem traduz seu modo de ser. Não ecoa nas conversas não porque não a lembremos, mas porque seu brilho estava além daqui e de agora. Minha sogra conversava com anjos e santos, antecipando eventos familiares. Seus sonhos nos davam medo quando repassados. Era tiro-e-queda, como se dizia em tempos de outrora.
Era dia do seu aniversário. Estávamos em Brasília, Silvestre se encontrara em Esperança, à época. Festa preparada, convidados à mesa, disquei o número telefônico de sua residência paraibana, como combinado. Ao ouvir a voz de Silvestre anunciei que a aniversariante falaria em instantes. Passei o aparelho para dona Judi e se deu toda a normal conversação. Na verdade aquela conversa nada havia de normal. Disse antes que era dia do seu aniversário e que Silvestre se encontrara em terras esperancenses. Claro que se aguardava um papo recheado de saudade, “parabéns pra você...”, essas coisas tão triviais nas tais comemorações. Não fora isso que ouvi:
- Alô! É Silvestre?
- Sim, é Silvestre, Judi!
Essa é a resposta que se supõe de quem estava do outro lado da linha. Então veio a pérola que nos fez desabar em risos:
- É Silvestre? Boa noite, aqui é Judi quem fala. Ô Silvestre, você sabe me dizer qual o preço da banana? E o botijão de gás, por quanto está?!

Um comentário :

  1. É tamanha honra para qualquer pessoa passar pelas mãos detalhistas deste grande pensador e ser registradas de uma forma tão carinhosa. Lembrar é viver! Sempre...

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