terça-feira, 24 de março de 2015

Eu sou de um tempo...

Éramos encantados e o belo estava em nós
Era tarde da noite, creio que umas nove ou dez horas, a brincadeira corria solta no meio da rua. Eu ouvia as palmas, parava, olhava e me despedia dos colegas. Era minha mãe avisando o adiantar das horas. Dona do Carmo nem pronunciava meu nome, as palmas eram o bastante entendíveis. Tinha que entrar, tomar banho e dormir. Televisão só se assistia no horário vespertino, programas dirigidos à criançada, ou uma bem amena voltada à família. Havia os filmes violentos a exemplo de Rin tin tin, onde o índio era tido como bandido. Isso é coisa de americano, quase dizimaram toda a população indígena, os Peles Vermelhas.
Dee Brown conta essa sórdida história em Enterrem Meu Coração na Curva do Rio”. Matava-se índio como se fosse brincadeira, a pretexto do progresso montado em trilhos, abrindo passagem às locomotivas. E imaginar que nós – pobres, felizes e inocentes que éramos – torcíamos pelo cachorro Rin tin tin, Cabo Rusty e Sargento O’Hara. Era uma carnificina só. Popeye e Olivia também faziam parte daquela diversão. O marinheiro sofriiiiia até que o espinafre, tomado em doses salvadoras, fizesse o efeito tão aguardado por nós telespectadores.
Havia todo um ritual para aquelas tardes televisivas. Não se via televisão em todos os domicílios, só “rico” possuía uma. E era num saudoso preto e branco. Por “milagre” tecnológico apareceu uma tela com listas coloridas que, colocadas à frente do aparelho televisivo, dava-nos a impressão de uma bela tv colorida. Aquilo era a mais alta invenção humana, uma tv se assemelhando a uma tela cinematográfica.
A meninada chegava cedo, às tardes, para garantir o melhor lugar na janela, meia porta, grade... A casa que possuísse um aparelho de televisão era sujeita àquela romaria. Os mais próximos àquela família detentora dessa modernidade, tinham um acento na sala da casa, mesmo que fosse no chão. Aí a criançada se amontoava para assistir aos seriados: “A ilha misteriosa”, “A máscara do Zorro”, “Os cavaleiros do Rei Arthur”, “Ivanhoé o vingador do rei”. Os desenhos eram igualmente chamativos e inocentes a exemplo de “Manda-chuva”, “Catatau e Zé Colmeia”, “Tom e Jerry”, “Os Flintstones”, “A pantera cor-de-rosa”. O fato é que eu sou de um tempo...

Um comentário :

  1. Vi pela janela de Gabino, Dr. Ledo, Seu Lola... até que o primeiro nos chegou. Chamava-o de Jipe. Tinha uma orelha, por assim dizer, onde fixava-se um transformador. P&B, também usamos a tela colorida, mas não de listas, de manchas irregulares...
    O tempo passa e o que passava foi se deteriorando.... Sou de um tempo em que a TV Brasileira, além dos enlatados americanos, copiava a nossa cultura popular... quando vi numa escola a professora copiando a TV, conclui que era o fim do mundo. É, acabou sem que a gente notasse. Desde então não confio em mais nada nos canais abertos tipo Globo, SBT, Ban(d), Record, RedeTV (!) e suas afiliadas locais... se espremer sai sangue, com honrosas exceções.

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